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"Dia do Livro: 5 autoras para ler o quantos antes"

Vogue traça um pequeno panorama com cinco escritoras de estilos e gêneros diversos, que fazem dos livros uma plataforma para abordar as questões do nosso tempo


"As mulheres sempre escreveram tanto quanto (senão mais que) os homens, porém se encontraram detidas no gargalo do mercado editorial, que, tradicionalmente, os privilegiou. Com o fortalecimento dos movimentos feministas e a exigência dos consumidores, essa lacuna aos poucos vem se desfazendo, de modo que estamos vivendo um momento histórico em que as escritoras estão publicando – e sendo lidas – mais do que nunca.


'Demorou, né? Sempre vimos mulheres trabalhando nos bastidores dos livros e agora estamos vendo editoras de mulheres, fundadas por mulheres, e cada vez mais autoras ganhando protagonismo', diz Fernanda Diamant, excuradora da Flip e criadora da revista literária Quatro Cinco Um, que recentemente abriu a editora Fósforo e inaugurou a livraria Megafauna, no icônico edifício Copan, em São Paulo.


Um bom indicador dessa mudança no mercado também foi inaugurado neste ano, a 500 metros do Copan, na região da Vila Buarque. A Gato Sem Rabo é a primeira livraria do Brasil dedicada exclusivamente a livros escritos por mulheres. 'Além de uma mudança de mentalidade dos leitores mais antigos, vemos uma nova geração que já chega às livrarias com esse olhar', explica Fernanda.


'Esse movimento se fortaleceu graças às editoras independentes, que costumam dar espaço a autoras que depois são publicadas pelas grandes editoras', comenta Michelle Henriques, coordenadora do Leia Mulheres. A iniciativa foi lançada em 2014 como um grupo de leitura, hoje tem núcleos em todos os estados do País, na Suíça, na Alemanha e em Portugal, e movimenta o mercado com diversas ações e lançamentos. 'Mulheres sempre foram mais leitoras que homens. Com o advento das redes sociais, elas perderam o medo de se posicionar e começaram a questionar mais e a serem ouvidas', diz Michelle.


Adriana Negreiros

A jornalista e escritora paulistana Adriana Negreiros nunca se esquecerá de 24 de maio de 2003, quando sofreu um sequestro-relâmpago ao sair de um shopping e foi estuprada pelo criminoso. Por quase 20 anos, a autora de Maria Bonita: Sexo, Mulheres e Violência no Cangaço (2018) manteve o trauma em silêncio.


'Não era um assunto sobre o qual se falava. Mais do que um tabu, era algo que me trazia vergonha e constrangimento', diz Adriana, 46 anos. Até que, com os avanços das pautas feministas e da histórica campanha 'Eu não mereço ser estuprada', de 2014, a escritora resolveu quebrar o silêncio com A Vida Nunca Mais Será a Mesma, seu segundo livro, que chega às prateleiras neste mês. 'Antes de publicar, precisei avisar meus amigos e minha família, que não sabiam que isso tinha acontecido comigo.'


Em texto muito bem escrito, Adriana combina o próprio relato, em corajosa e incômoda riqueza de detalhes, depoimentos de uma dezena de mulheres, fatos históricos e extensa bibliografia. A obra se revela um tratado da cultura do estupro – do 'estupra mas não mata' de Paulo Maluf ao 'só não te estupro porque você não merece' de Jair Bolsonaro. 'Foi um dos seus vídeos mais compartilhados durante a campanha que o elegeu, isso mostra como a cultura do estupro está enraizada no País.'

Luiza Mussnich

Em 2021, ano em que completa 30 anos, a poeta carioca Luiza Mussnich plantou uma árvore, um ipê, gerou um filho, João, que deve nascer em novembro, mês do seu aniversário, e escreveu um livro, a sua quinta publicação. O recém-lançado Tudo Coisa da Nossa Cabeça transforma algo tão prosaico como listas – com temas dos mais surpreendente – em poesia. 'Claro que a sonoridade rima, mas as ideias também rimam', explica Luiza, citando o poeta mexicano Octavio Paz.


Altamente instagramáveis, os textos em forma breve vêm sendo reproduzidos à exaustão nos principais perfis literários da rede social. 'Se isso for para que a poesia passe a fazer mais parte da vida das pessoas, acho válido.' Na lista 'Coisas Que não Precisam de Regras', ela relaciona: 'paixão; a arrumação de uma estante; a selva; a criação de um filho; uma receita de guacamole; a composição de uma obra de arte; uma trepada'. 'Roland Barthes diz que, das formas literárias, a poesia seria a mais sensual, pois o lugar mais erótico de um corpo é ali onde o vestuário se entreabre; o erotismo estaria nessa intermitência/interrupção' diz a poeta.


Renata Belmonte

Um romance de formação composto por duas narrativas independentes contadas de maneira vertiginosa e fragmentada. Essa é uma definição cabível a Mundos de uma Noite Só, quarto livro da escritora e advogada soteropolitana Renata Belmonte, vencedora do Prêmio Braskem de Literatura 2003 pela reunião de contos Feminimamente e do Prêmio Arte e Cultura Banco Capital 2006 pela coletânea O Que não Pode Ser. Seu monumental romance de estreia, previsto para compor uma trilogia, figura na lista de semifinalistas do Prêmio Oceanos, o mais importante em língua portuguesa, cujos dez finalistas devem ser anunciados no próximo mês.


A publicação do romance, incluindo dois contratos e distratos, foi uma epopeia à parte que levou oito anos. Até, em 2020, a obra ser escolhida como o primeiro título da pequena editora independente Faria e Silva. 'Por um lado foi bom o livro ter saído só agora, pois em 2012 a gente achava que as instituições eram sólidas e que havia um consenso contra a tirania', diz a autora de 39 anos. Ao contar a escalada e a derrocada da família de Menezes Grimaldi, a história atravessa os anos de chumbo da ditadura militar e esmiúça nossa tradição coronelista a partir de uma pequena comunidade no sertão. 'E ainda expõe o machismo, tão enraizado nos personagens', acrescenta a autora.


Letícia Nascimento

Entre as questões que costumavam ser varridas para debaixo do tapete e foram levadas ao debate público pelas redes sociais está a pauta trans, que nos obriga a entender questões de gênero além do binarismo cisgênero. Para distinguir mulheridade de feminilidade, entender como a luta trans pode se integrar à feminista e chegar à página dois da discussão a respeito de transgeneridade, uma leitura essencial é o recente Transfeminismo, de Letícia Nascimento. Natural de Parnaíba, Piauí , a pedagoga, pesquisadora e professora da Universidade Federal do Piauí é a primeira travesti a ocupar uma cátedra em uma universidade pública no estado.


'As redes sociais têm potencializado uma troca muito grande, são uma porta de entrada, mas não conseguem aprofundar o debate', diz a autora de 32 anos, que também milita contra o racismo e a gordofobia. Com uma linguagem acessível e didática, Transfeminismo é o primeiro livro autoral do País dedicado ao conceito e faz parte da coleção Feminismos Plurais, da editora Jandaíra, coordenada por Djamila Ribeiro. A obra revisita as contribuições de Giovana Baby, fundadora do movimento travesti nos anos 1970, e da psicóloga e ativista Jaqueline Gomes de Jesus, autora do livro acadêmico Transfeminismo: Teorias e Práticas. 'As pessoas trans só estão chegando agora ao mercado de trabalho porque outras estiveram nessa frente de batalha antes de nós', comenta Letícia.


Júlia Grilo

Muitos adolescentes recorrem à escrita como forma de elaborar suas ideias e de se expressar. Alguns nunca perdem esse hábito e com o tempo elevam suas palavras à condição de arte. É o caso de Júlia Grilo, escritora e estudante de psicologia de 21 anos, nascida em Salvador e criada em Amélia Rodrigues, no sertão baiano que, no fim do ano passado, publicou Cães, seu romance de estreia. 'Ser escritora me coloca num nível político em que eu posso falar o que penso e ser escutada, o que me é negado pelos marcadores sociais', aponta Júlia, que prefere não ser classificada como uma escritora negra. 'Gostaria de reivindicar o papel universal.'


A precoce autora escreveu seus primeiros textos aos 15, depois de descobrir Machado de Assis, e, aos 17,concluiu Deserção, seu primeiro romance, que decidiu engavetar. Ainda adolescente, desenvolveu uma relação de amizade com a cartunista Laerte, que passou a ler e comentar seus escritos em primeira mão e é quem assina o texto da orelha de Cães. No livro, a partir de uma cadela presa no quintal, a jovem protagonista se lança em uma investigação dialética a cerca do que nos torna humanos, passando pelas cicatrizes do colonialismo no Recôncavo Baiano. 'Não sei definir qual é o papel do artista, mas chuto que tenha a ver com uma disposição para apreender e descrever o espírito dos tempos.'"


 

Este texto foi extraído do site da Vogue Brasil e foi publicado originalmente em 29 de outubro de 2021. Pode ser acessado aqui.


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